sexta-feira, 26 de março de 2010


Lígia

Há dias que Lígia não conseguia dormir bem, escutando aquela moribunda que agonizava suas últimas horas de vida. Por mais que estivesse distante, o som de seus lamentos, de sua agonia, de sua dor, chegava até ela. Pelo que sabia a velha senhora tinha sofrido uma queda e quebrado o fêmur, três cirurgias consecutivas não resolveram o problema, mas parecia agora que faltava pouco para o sofrimento daquela velha senhora findar.

Lígia sofria por aquela velha senhora. Pelo que soubera tinha tido uma vida muito solitária. Não tinha filhos, o marido a abandonara já havia algum tempo, e agora dependia da caridade de um parente distante... O pior da existencia é a consciencia de uma morte bem vinda.

Apesar de já ser muito tarde, uma música lhe chegava aos ouvidos, vinda de longe. de repente, lembranças surgiram na memória de Lígia. Aquela até parecia a trilha sonora do melhor tempo de sua vida. Imagens se entrecortavam em seu pensamento: tanta vida, tanta alegria, sorrisos insinuosos, olhares e intençoes quase secretas. Tudo parecia pulsar num ritmos alucinante, e tudo era de um colorido berrante, mesmo sob a lente cinza que costumava usar... Novamente aqueles lamentos da velha moribunda, ainda bem que aquilo estava prestes a terminar, lamentava pela coitada, mas já não aguentava mais tantas noites insones por causa daqueles lamentos.

Mas parecia que finalmente iria conseguir dormir, um leve e agradável torpor abatia-se sobre ela, já não sabia se rememorava ou se sonhava, sob a chuva naquele gramado, as árvores cercando todo o parque enquanto o sol se insinuava entre as nuvens, Lígia rodopiava, rodopiava e rodopiava, sorrindente quase flutuava. Em meio a tudo isso, vindo de muito longe ouviu o último suspiro daquela velha senhora, estava finalmente livre...

Na manhã seguinte o enterro. Poucas pessoas compareceram. uma rosa vermelha solitária sobre a lápide parecia lamentar pela defunta. O epitáfio, sem data de nascimento, nem de falecimento, como se ela fosse atemporal, era de uma doce simplicidade: aqui jaz Lígia.

by Milena
(29/02/2008)

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